terça-feira, 7 de agosto de 2012

Tinham eles conhecimento de onde a aids foi adquirida?


           Certa vez  fui designada para atuar em interessante caso: os pais de uma criança de aproximadamente 6 (seis) anos ingressaram com ação na qual alegavam que a criança havia adquirido a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids)  em um hospital público em razão de uma transfusão.
          Cabia a mim a defesa do hospital. Confesso que, de início, a situação me sensibilizou. Coloquei-me no lugar daqueles pais que, com certeza, deveriam estar desolados.
                Comecei a analisar os autos do processo tentando descobrir a melhor tese para desenvolver a minha defesa, já prevendo quão complicado seria afastar uma condenação. Foi quando me deparei com determinados detalhes que considerei relevantíssimos para o deslinde  do feito, detalhes estes que passo a enumerar:
1)      Somente havia sido anexado aos autos o exame do pai da criança que, efetivamente, não era soropositivo, não havendo, no entanto, sido apresentada a mesma comprovação com relação à mãe;
2)      A criança já havia sido internada algum tempo antes com erisipela e, quando recebeu a     transfusão, estava com pneumonia;
3)      O sangue provinha de pessoa que, desde a década de 80 era doador e que havia, inclusive, feito novas doações após a criança soropositiva ter sido beneficiada com o seu sangue.
Confesso que fiquei intrigada com tal caso, pois, até para mim, uma leiga, tudo levou a crer que a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) foi contraída em época anterior à transfusão.
Ainda não sei qual será o desfecho do referido processo, mas uma dúvida nasceu em meu íntimo: será que os pais da criança não desconfiavam que a doença foi contraída antes da transfusão? Se não havia tal desconfiança, por qual razão não apresentaram o exame da mãe da criança? Entraram com o processo almejando obter indevida vantagem?
Sei que essas dúvidas, provavelmente, jamais serão desvendadas, mas só me faz constatar quão obscuros podem ser os caminhos trilhados pela mente humana.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Erro de Diagnóstico?


                           Trago hoje interessante caso que acredito mereça ser analisado. Em determinado feito movido em face do Município invocava-se um suposto  erro de diagnóstico com relação a uma criança de apenas 4 (quatro) anos de idade.
                             Afirmava-se que o menor havia sido tratado como paciente portador de epilepsia, tendo sido incluído, inclusive, em Programa de Saúde Mental, quando na verdade, foi verificado, em atendimento posterior realizado no Hospital Municipal Menino Jesus  que o paciente era portador de convulsão febril.
                    Segundo as alegações contidas na petição inicial o paciente recebeu tratamento inadequado direcionado à enfermidade diversa daquela da qual realmente era portador o que resultou no agravamento de seu quadro de saúde, além de lhe causar inúmeras sequelas.. Afirmou-se, outrossim,  que os prepostos do Réu agiram com imprudência, negligência e imperícia, já que foram incapazes de efetuar o diagnóstico correto do paciente, o que deveria ter sido feito por um profissional com o mínimo de prática e amor à vida humana.
                              Com o ajuizamento da ação almejava-se indenização por danos morais no patamar de 200 (duzentos) salários-mínimos, o que equivaleria, atualmente, à quantia de R$ 124.400,00 (cento e vinte e quatro mil e quatrocentos reais).
                   Designado perito judicial para elucidar os fatos narrados na petição inicial, foi apresentada a seguinte conclusão no laudo pericial:
            “A opinião deste perito diante do quadro apresentado com crise convulsiva ainda que febril com a presença de um EFG inicial demonstrando moderados sinais de  especificidade   epilépticas é de estar correto o diagnóstico de epilepsia.
           Um novo encefalograma poderia dirimir a dúvida diagnóstica. Tal dúvida  surge em todos os casos de epilepsia na infância e são corrigidos a medida que o tratamento regular é desempenhado.
           Mais preocupante seria considerar que um caso de epilepsia estaria sendo diagnosticado, equivocadamente, como convulsão febril, impedindo, assim o tratamento adequado.
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                 Diante do exposto, não há dano permanente causado pelo tratamento e não surgirão danos futuros. Não ocorreu equívoco no  diagnóstico nem no tratamento instituído.” (grifei)

     Ante as conclusões apresentadas pelo ilustre perito judicial no sentido de  que não houve qualquer equívoco no diagnóstico, questiona-se: deveria realmente o causídico acreditar, cegamente, na versão apresentada por aqueles que lhes contrataram os serviços? Não poderia o referido profissional ser mais criterioso em seu julgamento ouvindo, com cautela, os fatos narrados já que, geralmente, relatados por pessoas com profundo envolvimento emocional? Não seria prudente buscar o aconselhamento com um profissional da área médica?
    Acredito, realmente, ser imprescindível, antes do ajuizamento de qualquer demanda,  efetuar uma análise  detida e cética dos fatos  apresentados, somente reservando a movimentação da máquina judiciária às hipóteses em que, realmente, há fortes indícios de erro médico grosseiro.


domingo, 1 de julho de 2012

DO GRANDE NÚMERO DE AÇÕES POR ERRO MÉDICO INFUNDADAS


            Vem aumentando,  consideravelmente,  o número de processos judiciais em que é buscada a reparação por erro médico.
           Como título de exemplo, podemos citar o número de feitos que chegam  para ser julgados no Superior Tribunal de Justiça que é o responsável pela interpretação do Direito Federal no Brasil.  Nos últimos 6 (seis) anos os processos nos quais se discute responsabilidade médica mais do que triplicou. Segundo a assessoria de imprensa do referido Tribunal tramitam no STJ atualmente 471 casos que discutem a responsabilidade exclusiva do médico.
             E quais as razões para tão grande aumento de processos judiciais envolvendo responsabilidade médica?
           Para alguns,  tal aumento estaria ligado à evolução da população brasileira que estaria mais consciente de seus direitos e não teria mais medo de denunciar. Esta é a opinião, por exemplo, da médica vice-presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Lígia Bahia. [1]
             O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) atribui à má-formação profissional dos médicos e a falta de condições de trabalho também estaria por trás das estatísticas. [2]
          Não paira dúvida que os fatores citados acima podem ter efetivamente contribuído para o aumento de processos judiciais envolvendo erro médico.
           Todavia, o que tenho verificado no meu dia a dia forense é que mais de 90% (noventa por cento) das ações por erro médico são absolutamente infundadas. Familiares movidos pela dor, por exemplo, causada pela perda de um ente querido tentam atribuir o próprio infortúnio a um suposto erro médico que, de fato, jamais existiu. Os advogados, por seu turno, acreditam na versão fantasiosa apresentada e movem, desnecessariamente, a máquina judiciária.
             Vale ressaltar que a obrigação assumida pelo médico é de meio e não de resultado. Isto quer dizer que não existe o dever de curar, mas, sim, de serem empregados todos os procedimentos possíveis de acordo com as regras da profissão.[3] A respeito do tema merece ser invocado o seguinte ensinamento:

 “Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a toda evidência, é de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência, para usar-se a fórmula consagrada na escola francesa. Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos. Logo, a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, por si só, em inadimplemento contratual.”[4] (grifei)

               Verifica-se, portanto, que, em tese, o Poder Judiciário somente poderia ser chamado a intervir em situações em que o médico, efetivamente, tivesse deixado  de observar alguma regra da profissão.
          Infelizmente, não é isso que tem se observado. Conforme acima colocado o que tenho observado é que mais de 90 % (noventa por cento) das ações envolvendo a discussão por erro médico são fadadas ao fracasso.
               Como modificar esse quadro? Para mim, cabe ao profissional de Direito, defensores públicos e advogados avaliar com maior profundidade a versão apresentada por seu cliente ou assistido, ouvindo, com extrema cautela, os fatos relatados e aconselhando-se, se possível, com um profissional da área médica.
          Tal análise criteriosa do profissional do Direito com certeza contribuiria e muito com a diminuição dessa enxurrada de ações que sobrecarregam o Poder Judiciário e nas quais é buscada indenização, muitas vezes,  por um erro médico que jamais existiu.
               Ademais, essa análise preliminar do caso apresentado se revela ainda mais relevante quando se observa o  transtorno que é causado na vida daquele que é acusado do erro médico que além de sofrer evidente abalo psicológico é obrigado a desembolsar quantias, muitas vezes elevadas, com a contratação de advogados para elaboração de sua defesa.


[3] Exceto cirurgião plástico em que a obrigação é de resultado.
[4] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil – 5a edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 370ª