Certa vez fui designada para atuar em interessante
caso: os pais de uma criança de aproximadamente 6 (seis) anos ingressaram com
ação na qual alegavam que a criança havia adquirido a síndrome da
imunodeficiência adquirida (aids) em um
hospital público em razão de uma transfusão.
Cabia
a mim a defesa do hospital. Confesso que, de início, a situação me
sensibilizou. Coloquei-me no lugar daqueles pais que, com certeza, deveriam
estar desolados.
Comecei
a analisar os autos do processo tentando descobrir a melhor tese para
desenvolver a minha defesa, já prevendo quão complicado seria afastar uma
condenação. Foi quando me deparei com determinados detalhes que considerei
relevantíssimos para o deslinde do feito,
detalhes estes que passo a enumerar:
1)
Somente havia sido anexado aos autos o exame do pai
da criança que, efetivamente, não era soropositivo, não havendo, no entanto,
sido apresentada a mesma comprovação com relação à mãe;
2)
A criança já havia sido internada algum tempo
antes com erisipela e, quando recebeu a transfusão, estava com pneumonia;
3)
O sangue provinha de pessoa que, desde a década
de 80 era doador e que havia, inclusive, feito novas doações após a criança
soropositiva ter sido beneficiada com o seu sangue.
Confesso que
fiquei intrigada com tal caso, pois, até para mim, uma leiga, tudo levou a crer
que a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) foi contraída em época
anterior à transfusão.
Ainda não sei
qual será o desfecho do referido processo, mas uma dúvida nasceu em meu íntimo:
será que os pais da criança não desconfiavam que a doença foi contraída antes
da transfusão? Se não havia tal desconfiança, por qual razão não apresentaram o
exame da mãe da criança? Entraram com o processo almejando obter indevida
vantagem?
Sei que essas
dúvidas, provavelmente, jamais serão desvendadas, mas só me faz constatar quão
obscuros podem ser os caminhos trilhados pela mente humana.